As dúvidas de pensar no futuro
Aos meninos crescidos
Quando eu era pequenino não havia parente ou conhecido mais velho que não dissesse com voz grave e cara de caso:
- Tens de pensar no futuro!
Até nos anúncios dos bancos na televisão, aparecia essa frase. De tempos a tempos lá tinha eu de ouvir a famosa frase dita de forma sempre muito séria:
- Tens de pensar no futuro!
Sempre muito seriamente. Sempre com voz cava e grave. Gravíssima! Ou em alternativa, a pergunta ainda mais famosa, mas mais desculpável, por abrir a porta para um mundo de imaginações e brincadeiras que duravam um dia inteiro.
- O que queres ser quando fores grande?
Eram estas duas frases que para mim faziam, nessa altura, a distinção entre crescidos e meninos, pois todos os crescidos as diziam (e os bancos não eram também coisas de crescidos?), mas nenhum menino me diria uma coisa dessas. “Tens de pensar no futuro” imitava eu, para me sentir crescido; “tenho de pensar no futuro” repetia para mim próprio outra vez, levando muito a sério o que os crescidos me diziam. Pois se eram crescidos!
E eu quantas vezes, quando tinha tempo, me punha num canto qualquer no recreio da escola ou em casa a pensar no futuro… e nos outros tempos também! O problema é que mal eu me punha a pensar no futuro, este já tinha chegado e não me dava tempo de pensar no futuro. É que mal chega… já não é futuro! E lá tinha eu de pensar no futuro outra vez.
[Ainda hoje é assim que eu penso da morte para não ter medo; e por isso me sinto um pouco epicurista: «Porque é que haveríamos de ter medo da morte?»«Porque enquanto existimos, a morte não está aqui, e logo que ela vem, nós não existimos.» (Epicuro (341-270 a. C.)) E o medo vai-se embora, provavelmente à procura de outro para atormentar… Mas passando este longo parêntesis à frente…]
E afinal o que era o presente?
- O presente é … AGORA! Não, esse “agora” já passou. Então é… AGORA! Não, esse também já foi. Isso é já passado.
Pois é! O passado é que era mais fácil de entender. É o que eu estou a descrever agora. Não é simples? Mas depois pensava na professora que falou do pretérito perfeito. E de seguida falava do pretérito imperfeito (mas porque é que um haveria de ser mais perfeito que o outro? Afinal o passado não é todo igual?)… e então quando misturava o mais-que-perfeito que tinha sido, ou seria, ou foi, ou era (ou é? Será?) ainda mais perfeito que o perfeito (como é que alguma coisa podia ser mais perfeita que perfeita, é que eu já não compreendia, se até a perfeição me custava a entrar na cabeça, quanto mais…), aí então é que se instalava a confusão! “Então mas nesse caso…” e voltava outra vez à questão de quando é que é o “agora”:
- O “agora” é o que vem aí, quando eu disser. Espera lá, mas isso é que é o futuro! Isso é o futuro, ora pois é!
Dizia eu contentíssimo comigo próprio por ter achado novamente o futuro:
- Bolas, distraí-me e lá passou o “agora” outra vez, que agora já não é futuro é passado! Ai, que grande salganhada! Mas que bicho me mordeu para estar hoje, agora, com estas coisas? Cruéis são os crescidos para nos fazerem pensar agora no futuro que está constantemente a tornar-se presente e logo de seguida a passar ao passado… Arre! Lá estou eu outra vez. Não há paciência… Estou farto…
“ Zé, queres vir jogar à bola?” perguntavam os meus amigos na escola. “Não estás com boa cara!”, tal era a minha cara quando chegava a este ponto da confusão. Ou então:
- Pedro vem brincar comigo!
Pedia a minha irmã, 2 anos e meio mais velha, quando estávamos em casa (já o meu irmão mais velho, com quase mais seis anos que eu, não sei porquê, é que nunca me fazia estes pedidos ou estas perguntas, mas não tenham má impressão dele, que é um dos meus melhores amigos e foi com quem passei das maiores aventuras de bicicleta e a pé na terra dos meus avós).
E vinha a hora de ir embora, ou então a hora de ir lanchar ou de jantar e pronto, lá ficava o futuro para outro dia. O melhor era mesmo o futuro ficar para amanhã.” Que amanhã é que é o futuro! Ou depois de amanhã, sim, porque só depois de amanhã é que está bem e só depois de amanhã é que terei tempo de pensar no futuro. Agora é que não!”
E todos esses crescidos diziam-se conquistadores do mundo em tudo, apenas porque pensavam no futuro!
Mas onde é que há gente normal no mundo?
Resultado: não se preocupem assim tanto com o futuro…
4 comentários:
Zé,
devo dizer que claro que li todos os outros posts. Mas sempre q os acabei de ler, fiqei parada, a olhar p o ecrã, a perguntar-me: "como é q vou responder a isto?" (lá está, futuro..)
Mas agora fui capaz de imaginar qq coisa, aliás, não fui capaz de ficar parada.
Escreves mesmo bem, deixa q te diga. Claro q ás vezes pões-te com essas coisas, uns divagares muito peculiares, muito teus,que são tão teus que são apenas os teus fios de pensamento, apenas teus. Assim, nós, os outros que te lemos e ouvimos, deixamos de te perceber e ficamos a olhar com cara de ponto de interrogação.
Apesar disso, mais outra vez puxaste pela infância, e envolveste-me (cheguei à conclusão que gosto da palavra "envolver") nessas histórias onde me revejo.
és saudosita.
E, como hoje fiz uma apresentação sobre o romantismo (movimento artístico do séc. XVIII), digo-te que o saudosismo é uma característica romântica. E, agora que penso nas outras caracterísitcas deste movimento, deves ter nascido no séc. XVIII ou XIX...
Ou não, que parvoíce. Podes ser Romântico e nascer no séc XX. Claro.
Anyway,
De facto, não se preocupem tanto com o futuro..
Mas (há sempre um mas), é preciso tê-lo em conta. Afinal, o futuro é agora, vai ser daqi a uma hora, e daqi a um ano.
É para ele que vivemos, é NELE que vivemos.
Se vivermos o presente, apenas esse efémero presente, nunca sonharemos. Só com o passado. Ficamos limitados ao que sabemos. Não evoluímos.
Se vivermos apenas este...presente... não nos esforçamos para ser mais, porque... "olha :O , ... já passou!" , e assim, o que foi mal vivido, já é passado. Vamos tentar outra vez o presente..
Mas se não há ESPERANÇA no futuro, se não há VONTADE em fazer melhor no futuro , se não há ESFORÇO neste sentido,
O que nos acontece?
Presente?
Viver só o presente?
Não.
Mas isso não contradizes.
Concluindo (e isto dava um post), não se preocupem tanto com o presente.
Tenho a dizer que gostei muito deste texto.
Parabéns!
Cacao, va, nao te fartes de eu andar por cá. É um dos blogs q mais visito.
Sem dúvida, interessante.
PS: E uma almocinho da tropa, hein!
Cavaleiro, um dia destes vais ser tu o "dedilhador por dois dias"!!:)
Passado... Presente... Futuro...
Vivi tanto no Passado... e vivi no Passado já estando no Presente. Não sei como fiz mas acho que aconteceu. Já te aconteceu a ti?
Agora encho-me de vida, estou presente no Presente.
No Passado imaginei tanto um Futuro, algum que chegou a ser e outro que nunca foi nem nunca será.
O Futuro está Presente... não o esqueço porque quero que seja bom e para ele vivo também enquanto vivo no Presente. O Passado já foi...
O Presente está aqui. No Futuro vai resultar a mistura do que foi com o que é.
Enfim... divagações!
Que texto tão giro Zé. :o)
Parabéns, e parabéns a ti Cacao, mais uma vez, pela escolha dos dedilhadores.
Beijinho
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