Bem, todos sabem o problema que é começar estes testemunhos...!
Nunca se sabe nem por onde começar, nem o que dizer, nem ... onde parar..!
E já sabem como é que sou, quando começo....
Durante uma semana fui com um grupo de 35 pessoas para Arraiolos, fazer algo que se chama "missionar". Não sabia muito bem o que era, nunca tinha feito isso, conhecia 2 ou 3 pessoas, ia às cegas. Nem sabia bem porque é que ia perder uma semana inteira de férias para ir para algum sítio perder horas de sono, dormir em chão de pedra (Sejam reais, os colchões fininhos é como se lá não estivessem..), saltar os lanches, andar à chuva, morrer de frio... alias, so me apercebi que tudo isto aconteceu no fim.
Antes de mais, lembro só que as Missões mudam de sítio em cada 3 anos. Este foi o 3º e último ano de missões em Arraiolos. Portanto: tínhamos que aproveitar o que foi dito e feito nos anos anteriores e acabar em grande, com sementes espalhadas pela Vila.
No primeiro dia, Domingo, foi o mini-retiro que fizemos que nos preparou o "espírito" para o que estava para vir. Acho que só aí é que pensei a sério no que é que estava ali a fazer e a que é que me propunha. Foi importantíssimo, estava mesmo a precisar deste contacto mais a sério com O
de lá de cima , há algum tempo que não lhe dava a atenção que precisavamos (eu e Ele), há algum tempo que não parava para O ouvir.
Mais tarde, recebemos as t-shirts encarnadas com o slogan "Dá-Me de beber" e as cruzes de missionários.
E pronto, começou.
2ª feira: a Zé Vinagre (era o nome da nossa Comunidade, composta por JP, João Monteiro, Rita Vilaça, Nuno CB, Cacao e uma Rosarinho que ainda não lá estava) ficou com a actividade de ir bater a casa das pessoas das Ilhas falar do que iríamos fazer em Arraiolos durante essa semana e, se possível, rezar com elas. Devo confessar que começar pelo Porta-a-porta não foi o mais fácil.. se calhar as coisas eram-me facilitadas se começasse pelo lar. Caí de pára-quedas e nem sabia por onde começar, não sabia o que dizer às pessoas, não sabia como as encarar. No dia anterior o João Monteiro tinha dito que, se estivessemos com medo, que nos "escondessemos" atrás da
Mãe Peregrina que levávamos na mão. Como tínhamos que almoçar todos juntos (os 35) na escola, combinámos os 4 (O João estava a preparar actividades e a Rosarinho ainda não estava) ir 2 a 2 e depois do almoço trocávamos. Fui com o Nuno e, sendo os dois "noviços" naquilo, fomos, de facto, atrás da imagem com "moldura" de madeira da Mãe Peregrina à nossa frente. Um bocado a medo, fomos falando com esta ou aquela pessoa, maioria de idade avançada, que apanhávamos na rua ou em casa e conseguimos falar com mais gente do que pensámos. Ninguém nos fechou a porta na cara pela nossa persistência a dizer que não queríamos levar dinheiro nem ajuda. "Só queremos avisar das nossas actividades em Arraiolos durante esta semana. Como soubemos que não há missas durante a semana, o Pe. Diogo, que veio connosco de Lisboa, durante esta semana vai celebrar missas todos os dias às 18h30 na igreja matriz. 5ª feira há teatro às 14h30 e sexta feira à noite vamos ter a vigília a partir das 21h30. Gostávamos muito que fosse. Podemos contar consigo?" Claro que entretanto o Nuno já tinha dito maravilhas sobre o Pe.Diogo, a senhora já tinha dito que "Ai, já deixei de ir à missa" ou "isto anda muito parado" ou se tinha queixado da falta de mobilidade. E isto foi igual para umas 20 pessoas, apesar das pequenas alterações quando alguém contava a história da filha que foi viver para fora porque aqui não há oportunidades, ou do marido que moreu há 12 anos, ou do padre que baptizou o filho. Às vezes ainda conseguíamos rezar uma Avé Maria, outras nem isso. Não consigo, agora, estar a descrever cada encontro. Mas o Nuno e o JP, com quem fiz porta-a-porta, sabem que o que digo é mesmo assim. Foi mesmo assim que despejei o discurso "copy paste" às pessoas, para conseguir começar a conversa sem as assustar. Não nos interpretem mal, isto não tira, de todo, a individualidade de cada conversa. Tínhamos, simplesmente, de saber por onde começar.
Nessa noite, durante a oração da noite, partilhei o que senti quando uma velhinha na rua me agarrou na mão e me disse que tinha as mãos tão frias. Quando pensamos que somos nós que estamos a ajudar, chega quem de facto conhece Deus e pás, dá-nos uma
chapada de fé (como diz a rosarinho) e sentimo-nos tão tão pequeninos, vemos que a nossa fé não é nem um grão de mostarda comparada com o daquela pessoa. Os missionários foram saíndo da nossa pequenina capela improvisada e fiquei lá eu, a Helena e as velas, iluminando Nossa Senhora. Senti Deus tão tão tão forte que desatei a chorar, não me contive. E a Helena pegou na guitarra, cantou músicas tão tão sinceras e profundas que, enfim, não me contive, meeesmo. Chorei não porque estava triste, não porque me doía.
Chorei porque percebi que tinha andado tão longe de Jesus e que tinha tantas saudades d'Ele. Chorei porque me reencontrei, chorei porque Ele também chorou de alegria quando O deixei falar-me.
Chorei, e deixei-O abraçar-me, enquando Nossa Senhora me pegava a mão.
Dois dias mais tarde tornei a fazer porta-a-porta e não correu tão bem: as pessoas já só nos deixavam dizer o programa e não eram tão abertas.
Ainda assim, uma senhora de 70 e tal anos em Sant'Ana convidou-nos a entrar e ensinou-me a fazer tapetes de Arraiolos, lindo! E no fim disse-me "quer um presente?" . Eu já meia a medo que ela me desse algo que não pudesse aceitar disse a rir: "não sei, tenho um bocado medo do que me vai dar..." e ela olhou-me muito espantada e, senhora do seu nariz disse muito convictamente "Ora essa! Eu é que sei aquilo que posso dar! Diga lá que sim! Quer um presente ou não?"
"Quero, quero...!"
E deu-me um tapete (do tamanho de um monitor de computador) feito por ela, verdadeiramente de Arraiolos, lindo lindo, que eu tinha admirado e elogiado.
Fiquei sem palavras, disse logo que não podia acitar, estava tanto trabalho atrás daquilo!
Fiquei bem tocada com isso e por ela ter dito que tinha muito tempo e que lhe dava muito gosto que eu ficasse com ele. Sem palavras... Ainda ontem o trouxe para a sala para toda a família ver.
No terceiro dia fui só para a Escola EB 2-3 e secundária lá de Arraiolos. Estavam programadas aulas de Área de Projecto ou Formação Cívica para podermos lá ir.
Pensem bem: se tivessem que ir a uma aula falar, o que é que diziam? Se acham que por ter o tópico "Missionários" ajuda, er... estão enganados.
Aliás, na noite anterior tínhamos tentado perceber o que iríamos dizer e chegámos à conclusão que não poderíamos repetir o que foi dito nos 2 anos anteriores. Portanto a história de "o que são missionários" não podia ser usada de novo.
Bem, um bocado lançada ao escuro, lá entrei por 3 ou 4 salas dentro e dei o meu melhor. em grupos de 2 ou 3, invadimos aulas do 5º ao 12º ano e tentámos apelar ao sentido de "futuro" dos alunos: "qual é o vosso sonho?" "qual é o vosso maior dom?" "quem é que podem ajudar? em que vida podem marcar a diferença?" "qual é a vossa missão?".
Ficaria eternidades aqui a escrever se fosse contar cada coisa que responderam ou perguntaram, isso dava pano para mangas.
Não é fácil começar a falar, mas graças ao Francisco Vaz Garcia e à Rosarinho Carmona (e um graaaade obrigado por isso), consegui perceber que cada turma é uma turma e a melhor maneira de começar a conversa nas salas de aula. Deviam ter visto a facilidade com que eles os 2 falaram às turmas, sabiam o que dizer como se ... soubessem o que era preciso dizer para cada um deles.
Sabem quando Jesus disse que enviaria o Espírito Santo quando não soubessemos o que dizer, quando falássemos dEle? Foi isso que aconteceu. Ponho as mãos no fogo para dizer que aquilo foi
intervenção de Deus.
Todas as noites tínhamos uma oração preparada pelos chefes de oração (Carminho Seabra e João Monteiro) (eram sempre espectaculares e tocavam sempre
naquele ponto) e seguia-se uma pequena partilha dos acontecimentos mais marcantes do dia. No dia em que o Miguel Belo falou, mudou o meu espírito ali. Aconteceu um milagre, maior do que os que todos os dias íamos vivendo. Uma senhora que nunca falva, do lar, tinha-lhe dito o seu nome. E mais, tinha dito mais 4 palavras: o Miguel e a Filipa tinham contado as palavras que a Senhora Mariana tinha dito. Não me tinha apercebido da presença constante de Deus ali, no meio de nós, até ao dia em que este milagre aconteceu. Mas estava. E mais que nunca.
O teatro de 5ª feira foi um dos momentos altos da semana. Uma das comunidades (composta pela Margarida Estrela, Catarina, Marta Oom, Nini, Zé do Ó e Helena) esteve a semana a preparar este teatro que encheu a sala com pessoas desde pequeninos a velhinhos. Participaram também o João M [joão, só agora é que me apercebi como estiveste em tudo! ainda não parei de escrever o teu nome...!] e o Zé Cordovil que fizeram de velhas, tão tão tão bem, maior risada! Foi um momento de descontracção para quem estava no público e louvo o trabalho dos actores que não foi nada fácil.
6ª feira, à noite, a vigília. Esta é que vai ser difícil de descrever. Tocou-me tanto tanto tanto! A igreja estava apenas com as luzes do altar acesas e depois... velinhas iluminavam suavemente ("
luz terna e suave") o resto do espaço, completamente preenchido com todas as pessoas que tínhamos conseguido alcançar durante esta semana. Muita gente em pé e rostos sempre conhecidos por algum de nós. Sorrisos que se acendiam com olhares que se trocavam, acenos das crianças que tinham gritado o nosso nome nos corredores da escola, abraços dos que tinham confiado em nós. Rezámos um terço animado, com cânticos que explicam tudo, com encenações de excertos da Bíblia, com dinâmicas e com dois testemunhos daquilos que significaram as missões. Estes testemunhos foram dados pelo João Freire de Andrade e pela Leonor. Tão tão sinceros, tão puros, tocaram-me bem fundo e deixaram-me a chorar, mais uma vez. É impressionante a maneira como conseguiram falar para toda aquela gente sem ter o discurso escrito, de uma maneira tão verdadeira e tão inspiradora. Nunca conseguiria fazer isso.
No fim, a Madalena Carmona e o Diogo Oom, chefes destas Missões, falaram.
Foi espectacular o trabalho que tiveram connosco e para que tudo corresse tão bem e os resultados que alcançaram. Deram-se de corpo e alma a esta semana e foi admirável a sua persistência. A eles se deve tudo o que vivemos e a maneira como correu. Desde agora um gigante OBRIGADA a vocês, Mada e Diogo.
Sábado pudemos acordar duas horas mais tarde do que o costume... às 9h da manhã, YEEEEYYYY! (nunca pensei fazer tanta festa por acordar Às NOVE da manhã, mas enfim, ahahahah) arrumações, últimas orações antes das refeições "(...) sementeeee, crescidaaa, és o pão que nos dá Vidaaaa (...)" e chegou a altura da partilha final e de desvendar o amigo secreto de cada um. Pego nas palavras da Carminho e digo: foi admirável a maneira como esse abrir do coração
forçado de cada um se tornou tão genuíno, tão verdadeiro. Foi mesmo bonito de se ver, de sentir a Força, a Verdade e a Experiência que nos unia. E estava morta por dizer que eu era a Amiga Secreta do Zé Cordovil, afinal, tinha andado a semana a mandar-lhe recadinhos e a fazer surpresas sem me revelar. Claro que uma esmagadora maioria sabia que era eu, mas não fazia mal, fiz o que queria fazer. E obrigada à Mónica: foste amorosa, miúda! adorei a carta que me escreveste e entregaste em mão nesse dia.
Hoje foi o primeiro dia inteiro que estive em Lisboa depois dessa semana. Foi tudo tão estranho. Olhar p a TV, ver centenas de emails, arrumar a mala, tomas banho com calma, não estar em agitação permanente, não ver aquelas caras outra vez, não cantar o faz-te ao largo, não fazer póneis às 10h da manhã, dormir mais que 7horas, ligar o tlm de manhã, não ter oração antes do pequeno almoço, não cantar de olhos fechados em coro, não rezar a consagração em conjunto, ....
Faz-me falta tudo o que vivi, tudo o que senti e tudo o que consegui criar e deixar marca. Fazem-me falta as 34 caras que levavam visível a cruz ao peito, fazem-me falta os abraços de cada um. Fazem-me falta as horas à frente da lareira, fazem-me falta os momentos de piadas secas e de levar as mãos à barriga, fazem-me falta os olhares cúmplices, fazem-me falta os
farfalhos, faz-me falta o muro das lamentações, fazem-me falta os desabafos, as conversas durante os banhos e as partilhas das experiências diárias.
Já reparei a imensidão que escrevi e por isso não me quero estender muito mais...
Queria só tentar deixar um testemunho minimamente fiel ao que fui sentindo.
Não posso acabar isto sem agradecer à
Rosarinho que foi a pessoa que mais me marcou. É impressionante a entrega em que vive, a fé que tem e a simplicidade da sua maneira de ser. Não sabe que não tem um dom, tem 70X7 dons e o maior de todos é que não se apercebe disso. Ensinou-me tanto tanto tanto. Cresci imenso só de a ver de fora, e mais ainda cada vez que o Espírito Santo falava através dela, parecendo-se com Nossa Senhora. Deu-me uma confiança imensa em cada missão que eu tinha e puxou por mim como acho que nunca ninguém o tinha feito.
Para além disso, queria deixar um enorme obrigada à
Carminho e ao
João Monteiro que foram aquele porto-seguro durante as missas em que toquei guitarra, aquela mão que não nos larga. Carminho: não o teria feito sem ti.
E,
Leonor: obrigada. Estou sem palavras, deste-me a maior
chapada de fé que tive. É inacreditável a força que trazes dentro de ti e a pureza com que não o ostentas.
E claro, obrigada ao
Bá que nos emprestou a casa e muito mais!
Obrigada a todos, mesmo.
Durante uma semana, a Madalena Carmona, o Diogo Oom, o Zé Cordovil, o João M, a Carminho Seabra, a Lena, o JP, a Madalena Miranda, a Rita Moore, a Filipa Araújo, a inês Martins, o Franscisco Vaz Garcia, a Mafalda Mendonça, o Bernardo, a Jonas, a Mó d'Orey, a Rita Vilaça, o Mike Belo, a Marta Oom, a Leonor Wemans, a Catarina Farelo, o João Freire de Andrade, a Marta Guedes, a Marga Estrela, o Zé do Ó, a Nini Mendes, a Mafalda Espineira, o Nuno CB, a Cristina Lopes, o Miguel Santos, a Rosarinho, a Ana Mendes, o Pe.Diogo, o Diego e eu missonámos em Arraiolos e demos as canas de pesca, em vez dos peixes. Semeámos e agora resta-lhes ser terra boa, para tudo crescer.
Começa agora uma nova missão: a vida universitária. Agora temos que regressar às vidas normais sem nunca esquecer o que aprendemos, não deixar que tenha sido um "consumismo espiritual" (como chama o Pe.Diogo), e levar Deus a todo o lado e sempre connosco. A missão é não deixar a ligação falhar, a nossa com Deus, a dos outros com Ele, e a nossa com os outros. A missão é termos amigos secretos que nunca saberão que o somos, é ajudar velhinhos da rua sem ter algo concreto p dizer, é pôr os outros a acreditar em algo, é deixarmos o Espírito Santo invadir-nos e falar d'Ele aos amigos que não sabem aquilo em que acreditamos, é levar uma cruz, visível ou invisível, no peito.
"Faz-te ao largo!"
PS: o texto ainda não teve revisão... Desculpem q coisinha...!