sexta-feira, 9 de maio de 2008

A festa
Vestidos arrastam-se pelo chão, o barulho dos saltos a compassar no chão é absorvido pelas conversas cruzadas que circulam pela sala já por si cheia de jazz e de outra música elegante que passa despercebida. "Como está? Não a via desde a festa no outro palácio.... como é que o sítio se chamava...não se lembra? Penso que a vi lá, querida. No aniversário do Piecut, recorda-se?" Por entre sins espampanantes, a indiferença a cada conversa faz-se notar pelos ares de superficialidade ou não fossem estes a única coisa verdadeira que enche a sala. Castiçais e empregados bem fardados enchem o espaço, ambos adornados, ainda que não façam a menos diferença aos presentes. Apenas para servir luz ou bebidas. Restos de plumas no chão misturadas com brilhantes ou purpurinas, tornando-se impossível de distinguir o que veio de vestidos, cabelos ou adornos. Talvez até da maquilhagem nas pálpebras ou no peito descoberto, que assim se tem que estar, tão difícil que é respirar dentro de corpetes esse ar fumarento das cigarrilhas e cachimbos. O que importa é que esse escape do stress, o fumo, não falte ao Dom ou à Condessa, que de chaminés nada têm. Cabelos apanhados em espiral sem princípio ou fim, ou pelo menos com esses escondidos atrás dos aramescos caros que prendem os longos cabelos. Mesas cobertas com saias e por cima uma toalha, que nem precisava de lá estar, de tao coberta está com o conjunto individual para cada uma das 12 pessoas da mesa. Todos têm direito a tudo, três copos (branco, tinto ou...água), dois garfos, porque o terceiro já não cabia, duas facas, isto lateralmente, de cada lado. Entre os copos diagonais e os dois pratos sobrepostos, talheres de sobremesa. Por cima, uma obra de arte em tecido, guardanapo que nem se devia desfazer de tão trabalhado que está. Mas não vamos já por aí, por enquando Vossa Excelência quererá acompanhar-me para junto daquele Senhor que a chama? com certeza. conversas ilusórias, Contactos feitos, risos forçados e os volto já, meu caro gastos..
Essa mão que pega a cigarrilha, flutuando por cima do ombro, palma virada para o ostensivo candeeiro de diamantes - se se descobrisse que é de vidro, a casa estaria em metade das pessoas -, mindinho espetado discretamente, enquanto o outro ombro descai para a frente numa única gargalhada, porque essas não são fáceis de sair sonoramente perfeitas.
Uma perna flectida, a outra singularmente esticada, deixando-se conseguir ver a cor bronzeada que espreita pela comprida racha. Fica elegante, condiz com o corte das costas que é obrigado a acabar no limite.
Há quem tenha conseguido evitar todas as despesas nos último seis meses - o que inclui comida por metade, fica a dieta já despachada - para conseguir comprar aquele anel cinco quilates para o mindinho que não segurará a cigarrilha. E os Senhores Respeitados, esses têm bem merecido o seu anel doirado de brasão também no mindinho, pois querem-se todos a condizer.
O que não condiz é a distância que vai da cadeira à mesa para as Senhoras ou para os Embaixadores... Os embaixadores gostam que sua avolumada e esbelta fronte esteja confortavelmente exposta e pousada sobre as cadeiras desconfortáveis do salão de jantar. Elas, se é que me atrevo a chamar as Excelências por tão comum determinante, conseguem uma maior proximidade com a mesa, o esforço de caber nos vestidos não foi em vão. Ou talvez também a pensar na maior facilidade para a comunicação de detalhes da vida alheia à mesa, nem é preciso cochichar, ninguém quer - nem consegue - ouvir, tão comum é a circulação de rumores nesta classe.
Enfim, gente elegante e exuberantemente...vazia.

9 comentários:

Barbara disse...

Adorei! Quase consigo sentir o cheiro da cigarrilha e ouvir o burburinho das conversas. Sociedade.. cheia de fachadas, de verniz. Muitas dessas pessoas eram ( e são ) como o candeeiro: Parecem de cristal, mas de facto, são de vidro.

Pedro de Arimateia disse...

somente espectacular :)

Susana Pereira disse...

cacao, n te conhecia uma queiroziana :P já sabia que os teus dedos escreviam bem, ms os detalhes tão mesmo "gostosos" de se ler.
Grande crítica, mesmo muito bem feita! :D

Susana

Cata A. disse...

O memorial do convento está te a fazer mal! Mas ao menos pões pontuação nos textos. Será que virás a ser o nosso próximo prémio nobel da literatura? "Izzie e a cidade - uma crítica à sociedade"

Cata A. disse...

Este é o teu post número 200!

Cacao disse...

uau, grandes críticas, até sabe bem:) Se já me impressiona o facto de terem lido até ao fim, quando mais dos 5 comentários q da noite p o dia apareceram rapidamente aqui...!

Deu-me um vaipo de inspiração e, susana, surpresa! foi no teu blog;)

Bá: fico contente:)

André, ainda bem q ainda cá passas:)

Catarina, não está assim com tanta falta de pontuação..:P Se é que existe alguma...! E adorei o Memorial, resta saber se as influências são daí ou dos Maias, q tb adorei. Ando com sorte nos livros:P Quer dizer...agora vem aí o Felizmente há luar, que odiei...enfim, não se pode ter tudo o que se quer... Achei piada ao "Izzie e a cidade - uma crítica à sociedade". Acho que apenas lhe tiraria a aprte da crítica. Coitada da Izzie, não tem sido crítica...! Apenas tem partilhado sentimentos interirores, só interpreta como crítica quem de facto nota que o superficialismo está tanto, TANTO na sociedade...Ela apenas se sente farta disso, tentou libertar. O seu objectivo foi simplesmente vomitar sentimentos (desculpa os termos), e não críticas!

POST NÚMERO 200? UAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAUUUUUU
Se não fossem os dedilhadores, ainda não tinha chegado lá..:)

AGORA FALTA A SUSY OU A ANINHAS RESOLVEREM ESCREVER QQ COISA!aiai..!

Beijinhos, obrigada pelas visitas:)

Dreamer disse...

tens imenso jeito, adorei! se continuares a escrever assim troco os livros pelo teu blog. :D

Anónimo disse...

Excelente... Estou deveras espantado! Como comentou a Susana soas de facto a uma "queiroziana"! Adorei o post e lembor-me que falámos num dia em que fomos ao Colombo sobre qualquer coisa um pouco parecida... Grand Beijinho e Óptimo trabalho

mari rits disse...

tinhas razão ;)